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Mostrando postagens de setembro, 2010

O Candidato

Num passado distante, num distante país de terceiro mundo, houve um homem a quem todos chamavam “O Candidato”; algo muito diferente de mais um candidato em meio à multidão de candidatos que existia por lá. Acertemos então que falo de O Candidato em pessoa, e não de um candidato qualquer. Dava gosto vê-lo no exercício de seu ofício. Era um verdadeiro mestre. O império romano teria sido muito mais extenso se fosse ele um dos imperadores. Criança suja com o nariz escorrendo de pingar, chorando, arredia, ele identificava a um quilômetro de distância. Podia estar se debatendo no colo, esperneando, nada disso o intimidava. Ia até a criatura e lhe arrancava da mãe e, na grande maioria das vezes, domava o bichinho. Para tal, trazia no bolso direito da calça um punhado de balas que era renovado pelos assessores de tempo em tempo. No bolso esquerdo, trazia apitos e línguas de sogra. Caso as balas falhassem, dificilmente os brinquedos fracassariam. Ele próprio inaugurava os brinquedos, já os ofer

É Primavera

Era uma manhã de setembro quando o velho Alincourt chegou diante do belo lago de minha cidade, estacou sobre um terreno baldio sito à margem direita, ergueu ao alto os dois braços com ambos os punhos cerrados e vibrou de modo indescritível. No punho esquerdo o velho trouxe uma porção de terra em pó, poeira formada por noventa dias de estiagem. Ao abrir aquela mão, os vigorosos ventos de setembro levaram consigo a terra, que se desprendia e esvaía pelos ares, formando uma fina nuvem de poeira vermelha a andar no ar. O céu tornara-se vermelho, assim como a própria terra do lugar. Da mesma mão desprenderam-se folhas secas. Incontáveis folhas em tonalidades marrons, beges, amarelas. Um enorme urubu, atraído por um odor propagado pelo vento, passou a oferecer uma sombra circular sobre a cabeça do velho. Após a primeira ave, vieram outras da mesma espécie. Em pouco tempo eram seis, vinte e duas, trinta e cinco, cinqüenta e uma, mais de cento e três. Os ventos anunciaram uma carcaça canina

O Quinto Sinal Vital

Hey Joe, o quinto sinal vital é a dor. Sim, Joe! Após a pressão nas paredes das tuas artérias, o pulsar do teu coração, o ar tragado e expelido por teus pulmões, e o calor da tua pele e do milieu intérieur¹, é a dor que vem provar que você está vivo, Joe. Melhor que morto, não? Quando isso fora proposto por cientistas, em uma mesa redonda, em algum lugar do mundo, eles estavam muito distantes dos campos de flores. Eles não pensaram em eleger algo como a alegria ou o amor para ser o quinto sinal vital, mas sim a dor. Por que será, Joe? Quando ninguém mais estiver te vendo, entre no teu quarto, feche a porta, deite em tua cama, puxe um cobertor por sobre a tua cabeça e chore, chore Joe. Chore tudo que não chorou desde que descobriu que tua mãe não poderia te proteger do mundo, Joe. Hey Joe, hoje abrace o teu irmão enquanto os teus braços são fortes o suficiente para o enlace vigoroso. Não espere o amanhã tardio. Plante mais esperança, Joe; pois em algum lugar do mundo os agricultore

O Rei Dos Picaretas

Eis um pobre! Um picareta e mais nada. Em meio a tantos picaretas, mais um apenas. A verdade é dolorosa, eu sei. Porém, enquanto verdade, jamais deve ser desprezada ou omitida da luz dos fatos. Sei que é difícil o teu exercício de bajular para ser bajulado. Priva-te da critica. Assim perde o impulso para melhorar. É o preço que se paga. É um preço muito alto, eu concordo. Os da platéia idolatram os do palco, os do palco se julgam acima dos da platéia, os da platéia, por sua vez, imitam os do palco, olham para o lado e dizem: “veja, também sou admirável!” Ora, cale-se! Não vê que está atrapalhando o espetáculo? Há muitos notáveis para serem admirados, não roube a atenção que não lhe cabe. Entendeu? Vá embora. Chore as tuas mazelas de luz apagada e porta fechada. Ninguém quer saber do teu pranto, além da tua casa! Encosta à beira do caminho junto de tua pedra maior, e ali vive à sombra da pedra até o seu último dia, na esperança que aquela lhe sirva de tampa para a sua cova rasa, logo co

Marcelo Rubens Paiva

No dia em que conheci Marcelo Rubens Paiva, ou melhor; no dia em que ouvi pela primeira vez falar sobre o escritor Marcelo Rubens Paiva, foi na pergunta do amigo Cazú: _Você conhece Feliz Ano Velho, o livro? Eu disse que não conhecia. Então ele bateu a mão na testa e disse: _Cara, como é que você, que faz Fisioterapia, não conhece esse livro? O livro é muito bom! Conta a história de um cara que deu um mergulho e ficou tetraplégico. Virou até filme. Não é possível, Jefh? Pensei: “Bem, depois dessa só lendo o livro mesmo”. E eu li. Peguei na biblioteca da facu, em Batatais; comecei a leitura e só parei quando terminei. Li o livro inteiro num só fôlego. Isso foi em 93. O livro foi publicado originalmente em 82. Em 83, Marcelo ganharia o prêmio Jabuti como autor revelação. No livro o autor conta como um mergulho em água rasa mudou tragicamente a sua vida, lhe tornando cadeirante. Em 2009, estava eu em Ribeirão Preto, dentro do Theatro Pedro II, aguardando o “bate papo” - modo como os escri