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SÓ PROSA #01 (PRA TALVEZ VOLTAR)

SÓ PROSA #01 (PRA TALVEZ VOLTAR)   E fez 5 anos sem uma única atualização de meu blog. Blogs são como plantas, que uma vez sem cuidados, param de dar frutos, murcham, secam e morrem, ou não, a maioria sim. Mas ainda acredito que muitos blogs serão encontrados pelos literatos do futuro e esmiuçados e aproveitados por suas singularidades em suas capacidades de relatar os tempos e as visões. É tanta informação e tantas mídias e tantas redes sociais e tantas notícias... O mundo vai em turbilhão e aos rodopios, de surriada. É impossível acompanhar tanta evolução ao passo de todos os fatos e acontecimentos seculares. Aconteceu algo que eu há algum tempo já suspeitava que aconteceria: a vida em self-service. Cada qual busca a informação que quer, o assunto, o entretenimento, a opinião, o programa e a programação, o filme, a música, o clipe e as pessoas, a visão de vida e de planeta. Mas pensando um pouco mais e melhor, será que não foi sempre assim? Não sei se e nem como o meu blog
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ARMELAU – O MESTRE TAXIDERMISTA BRANDON

Brandon, escriturário e mestre do ofício da taxidermia, um homem dotado de extrema magreza e aspecto frágil, o qual naturalmente compensava com a cara de ódio como se desse ao mundo o recado de sua real ferocidade, era todo ele uma imensa contradição entre a delgada solidez física e a subjetividade da personalidade inflada. A despeito de sua aparente fragilidade, o homem cria-se uma fera e tentava convencer todos à sua volta do quanto nada significava aquela aparência. Aos finais de semana, ocupava-se em dar trato aos bichos mortos e passear com seu poodle pelo bairro em atitude vigilante. Mantinha também na rede social um grupo no qual se compartilhava toda e qualquer presença e ou atitude suspeita nas imediações. Certa vez, quando Armelau atravessava o portão de sua morada para sair em uma caminhada, o poodle de Brandon invadiu sua garagem. Antes mesmo que o sonâmbulo voltasse o rosto para o interior da área, a fim de ver aonde ia o pequeno invasor, Brandon, sem pedir licença, inv

ARMELAU - LÁGRIMAS DE MORÉIA

Pela porta entreaberta, era possível ver Moréia. Revoltada, ela chorava sobre a sequidão de suas carnes, soluçava com os anos acumulados nas papadas de seus lábios e tremelicava comprimindo as rugas incrustadas no entorno de seus olhos. Cada vez mais seca, cada vez mais rude, cada vez mais amargurada. Bildo já não trazia alento algum às frustrações da gerente. O rapaz estava demasiadamente envolvido nos cuidados d o recém nascido Musca e em seus projetos pessoais de provar ao pai que jamais deveria ter sido qualificado como um bastardo. Corria o dia todo feito um louco atordoado. Incansável, a todos os lugares passíveis de vendas visitava abraçando mais compromissos do que seus braços eram capazes de sustentar. Deixava atrás de si um rastro de incontáveis clientes insatisfeitos. Chegavam reclamações de todas as partes á ZT3, as quais Moréia ocultava carinhosamente em sua caixinha de segredos. Era a versão mais triste possível da caixa de Pandora a caixeta de Mo

ARMELAU – A FRESTA SOMBRIA

Era uma manhã chuvosa. Os funcionários da ZT3 Paper Company chega r am de todos os lados com suas capas impermeáveis, galochas, capotes e capacetes, guarda-chuvas, cremes hidratantes de uso diário com óleo na composição. Armelau vinha de uma noite de sono intermitente e estava extremamente sonolento naquela ocasião. Sorvia um copinho de café, quando notou que o cadarço de seu sapato preto estava em desalinho , quase desamarrado. Afastou um pouco a cadeira e abaixou-se para atar o cadarço. Percebeu algum movimento vindo da parede lateral. Notou a fresta escura entre o piso e o rodapé daquela parede. Foi ali que o movimento se encerrou com a evasão de um pequeno vulto para dentro da estrutura da edificação. O funcionário então retornou aos seus trabalhos. Trinta minutos mais tarde, levantou-se da cadeira e usou toda a possibilidade de abertura da porta de seu gabinete, a fim de observar as outras duas portas à sua frente. A da esquerda, abrigava Moréia em seu tailleur azul m

ARMELAU – A PROCRIAÇÃO DE BILDO

Tudo na ZT3 Paper Company transcorria naturalmente, até que, numa bela manhã de verão, Bildo desse cria. Moréia festejou o nascimento do rebento de seu affair platônico como se a criaturinha tivesse surgido de suas próprias entranhas. Ainda que de modo não consensual, tudo em Bildo e Moréia culminava n uma natural simbiose existencial. Ambos viviam a sórdida rotina de planeja r ínfimas trapaças, trama r pequenos trambiques e camufla r leves delitos. Tudo dentro da mais harmoniosa e oculta cumplicidade. Bildo ludibriava os clientes e entregava menos papel do que a ZT3 vendia e recebia da ZT3 valor bem superior ao que entregava. Moréia sabia da armação, apoiava e passava um pano sempre que necessário. Ambos tomaram gosto pelo ato de burlar e festejavam a cada truque bem sucedido. Traçavam pequenas metas sempre em favor de Bildo. Tudo era em favor de Bildo, contanto que fosse em detrimento de Armelau e dos demais vendedores. Enganavam a gregos e troianos e riam interiormente, sat

1981 – O DEFUNTO DA RUA DE TRÁS

O ano é 1981 e eu tenho sete anos de idade. Aquela tarde caía por de trás do horizonte e consigo levava o sol para lugares distantes que eu jamais conheceria até o presente momento em que teço essa narrativa. Naquele ano, morreram Bob Marley, músico, Amácio Mazzaropi, ator e cineasta, Glauber Rocha, cineasta, e o defunto da rua de trás do quarteirão no qual eu morava. Não que o homem tivesse vivido defunto e assim morrido. Mas sim por eu tê-lo conhecido defunto e defunto ele ter vivido sempre em minha memória. Eu estava no portão de casa olhando para o nada. Os moleques sujos e espancados da esquina percorriam a rua convocando todos os outros garotos para verem o espetáculo do defunto desfigurado da rua de trás. Eu já havia tomado meu banho, tinha o cabelo úmido e meticulosamente repartido no meio da cabeça formando uma espécie de cortina de testa. Vestia uma camiseta de listras com gola pólo e a bermuda de costuras tortas feita com restos de brim pela minha avó, que sempr

REVEILLON

Bala que partiu não tem volta. E se ela vai de encontro ao leito venoso do rio da vida que corre rumo ao fim, ai ai ai... Pode imediatamente dar início aos preparativos para a grande convenção final. Compre flores, muitas flores. Se possível, uma coroa com alguns dizeres genéricos bem bonitinhos, sensíveis, comoventes. Peça a um poeta para elaborar um texto bem tocante no sentido da compreensão das almas mais sensíveis. E se não conhecer nenhum poeta disponível, que horror!, mesmo que amador, deixe que o pessoal do marketing se encarregará do conteúdo, eles sempre sabem o que o povo gosta de ler de modo geral, amplo e irrestrito.  Já decidiu quem é que levará o seu esquife à mansão dos mortos? Veja bem, melhor que seja gente forte e saudável. Já teve infeliz que fez a escolha errada e acabou caindo na própria rua da cova, ao pé do sepulcral. Um vexame total para os amigos, não os tem, sim, mas tem parente, não importa que sejam poucos os tais, parentes e familiares: mãe e irmã,